segunda-feira, 8 de outubro de 2007

as civilizações antigas que não tinham ônibus

Sinclair. Este era o nome que era substituído pelo seu apelido detestável: Cabeção . era motorista de ônibus. Daqueles que nunca foram advertidos por uma multa que fosse. Morava na favela da Mineira, perdera já um filho, o mais velho, João, o que gostava mais, para o tráfico. Embora sem luxo algum, não deixava nada faltar à família, os outros filhos, Carlos, sim, sempre escolhia nomes simples para que não passassem pelos inconvenientes que ele próprio já passara, e Marcos, agora ingressando no Exército, tinham tudo aquilo que ele poderia oferecer.
Tinha já uns 17, 18 anos de profissão. Orgulhava-se quando olhava para trás e via a vida miserável que levava no interior de Alagoas, mãe atravessando mundos de chão para ter acesso à uma água suja, barrenta. O pai, que embora fosse um grande homem, sucumbindo à desgraça daquela vida, fechando-se de um modo que fosse impossível penetrar em seu mundo.

10/08/04 - Av. Presidente Antonio Carlos. 18:30.

-estranho cara...gosto dessa rua. Parece que, embora não me lembre, passei um ótimo momento aqui. Uma memória muito afetiva. Sinto uma espécie de conforto. Vai entender. Talvez seja esta a rua onde vou morrer.

03/02/07 – Av. Presidente Antonio Carlos. 15:07.

Pedestre é atingido por um ônibus em alta velocidade enquanto tentava atravessar a rua. Carregava consigo manuscritos de um livro de ficção que falava sobre mensagens mandadas por outras civilizações do passado, desconhecidas, que já dominariam a astronomia, através de estrelas cadentes.

Ontem a noite a favela da Mineira sofreu uma tentativa de invasão de uma facção criminosa rival. Sinclair não conseguiu dormir a noite toda pois estava preocupado com o Marcos, que ainda não tinha chegado em casa quando o tiroteio começou. Depois ficou sabendo que seu sobrinho tinha morrido durante o confronto. Ao chegar ao trabalho, foi advertido de maneira pouco educada por seu superior, pegou um carro que estava com um gravíssimo problema nos freios, mas que a política de maximização dos lucros da empresa não permitia trocar até que quebrasse de vez. Sinclair tinha nas costas uma noite não dormida, a dor de se perder um ente querido, a falta de consideração de seu superior, e um freio que não funcionava.

domingo, 7 de outubro de 2007

TESTEMUNHA DO FIM DO UNIVERSO

Os pequenos cortes que varam o céu mais escuro, trazendo um espetáculo belo mas efêmero, são chamados popularmente de estrelas cadentes. Para as pessoas que prestam muita atenção nos céus enquanto estamos a nos preocupar com as drogas das aparências, esse é um fenômeno que ocorre com muita freqüência. Uma freqüência insuspeita, duvidosa, às vezes.

Pedrinho era um daqueles que as via com muita freqüência, cabeça nas nuvens, alguns diziam, rapaz compenetrado, diziam outros. Dera certo nos empregos por onde passou, construiu amizades sólidas com quem pôde, e pôde bastante, responsabilizou-se diante de um deus que sequer acreditara a fazer uma mulher feliz por toda a sua vida, sempre se questionou sobre o mal que suas atitudes, mesmo que indiretas, poderiam provocar. Era muito preocupado, tinha várias preocupações, a irmã mais velha, meio burrinha, saindo com um cara que ele sabe que não presta, o pai desempregado cada vez bebendo mais, acabando aos poucos com uma das poucas coisas que ele ainda sentia, pena, a mãe sempre atarefada com os afazeres domésticos, as roupas para fora, costura, ouvindo aquelas rádios a.m. com algum aproveitador barato, cínico e cheirador, dando-lhe uma lição de vida diferente por dia, e a casa querida onde passou a infância, período realmente feliz, cair aos pedaços. Tinha ainda o fato de sua mulher suspeitar que esta grávida de novo. Ele realmente tinha muito com que se preocupar.

Esse fenômeno aqui chamado então de estrelas cadentes, nada mais são que restos de estrelas que viveram muitos e muitos anos antes daqueles que vieram antes de nós. É o resto de uma história que começou tão longe, tão no começo, que só pode representar o fim. È a imagem possível do que está acontecendo lá na frente e só agora chegou até nós, uma mensagem, talvez, uma mensagem muito importante, uma mensagem que traga um segredo. O fim do universo.

E dessas estrelas tão mais antigas que nós, das quais não sobraram mais que estes restinhos que só servem para riscar nosso céu mais escuro, Pedrinho, nosso herói, se distrai para poder viver de alguma maneira que ele ache minimamente decente, fazendo, pelo menos, uma coisa que ele gostava de fazer:

Testemunhar o fim do universo.